quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Mulheres Brasileiras que Fizeram História - Carolina Maria de Jesus

Sobre os Selos 
Essa emissão é composta por seis selos, celebrando seis Mulheres que fizeram e fazem história. A quarta homenageada é uma das primeiras escritoras negras do Brasil, a singular Carolina Maria de Jesus. A imagem é uma foto que foi tirada na favela de Canindé, São Paulo, em 1958. O elo desta emissão é o símbolo da mulher, que consta em todos os selos. A folha com borda na cor magenta, é composta por 18 selos, tendo o título da emissão no canto superior esquerdo e no canto superior direto desenhos estilizados de um caderno, um lápis e letras caligráficas. Foram usadas as técnicas de fotografia e computação gráfica.
Foto: Acervo de família - Dimensão 26 x 44 mm - Lançamento: 4.10.2019
 Arte-finalização: Jamile Costa Sallum e Daniel Eff/Correios 
Mulheres que Fizeram História Carolina Maria de Jesus 
Os selos postais, desde o seu surgimento, em 1840, na Inglaterra, iniciaram a grandiosa
missão de propagar a história universal e de comunicar os grandes e abnegados feitos daqueles que se dedicaram à construção de valorosas obras em vários contextos socioculturais. Assim, o primeiro selo postal do mundo, o penny black, exibia a efígie da Rainha Vitória, perpetuando o perfil de uma soberana inglesa, reconhecida por sua coragem e determinação frente aos desafios de sua época. Daí compreendermos que o selo já nasceu predestinado a marcar com nobreza os fatos por ele assinalados.


 São inúmeros os selos postais brasileiros dedicados às mulheres e suas obras. É gratificante verificar o quão nobre tem sido a presença da mulher na Filatelia, destacando a sua função em vários contextos, mostrando que as mulheres estão cada vez mais conscientes dos papéis que desempenham na sociedade. É, portanto, compreensível e justo que mulheres valorosas tenham as suas contribuições e os seus valores perpetuados em selos postais, que são os mensageiros da paz universal. 

Os selos postais chegaram ao século 21 comunicando personalidades, obras e aspectos artísticos, históricos, sociais, ambientais e desportivos, que o Brasil e o mundo precisam reverenciar. Nesse contexto, as mulheres têm desempenhado um papel cada vez mais importante na sociedade, vencendo lutas de vários significados, buscando assegurar seus direitos frente a uma vida digna, segura e pautada no respeito à liberdade, à igualdade e defesa de seus ideais.

 Mais uma vez, a filatelia brasileira tem a honra de emitir selos sobre mulheres. Agora será a vez de Mulheres que Fizeram História, destacando seis personalidades vencedoras em suas vidas. São elas: Elza Soares, Hortência Marcari, Hebe Camargo, Carolina Maria de Jesus, Maria da Penha e Aracy de Carvalho Guimarães Rosa. As mulheres merecem essa honraria, que também dignifica e enriquece a Filatelia brasileira. Esses selos representam o reconhecimento do Brasil e do mundo à história de vida, de trabalho e de força que as motivaram em suas jornadas. 

No quarto selo da série, chegamos à história de Carolina Maria de Jesus, considerada uma das primeiras escritoras negras do Brasil. Carolina nasceu em 14 de março de 1914, em Sacramento, Minas Gerais, e morreu em 13 de fevereiro de 1977, aos 62 anos, em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo. 

Carolina Maria de Jesus hasteou por toda a sua vida a bandeira do trabalho e da confiança em seus ideais. Foi uma mulher que acreditou em si mesma, honrou suas origens e trilhou o caminho da esperança. Viveu um período de sua vida na favela do Canindé, na Zona Norte de São Paulo, sustentando a si mesma e aos três filhos com os recursos advindos de sua atividade como catadora de papéis. Em sua jornada era notória a sua paixão pela poesia. Carolina ousava na prática salutar de escrever versos com a delicadeza e sabedoria daqueles que, apesar de conscientes de suas dificuldades e carências, fazem das diversidades a glória de ser maior entre tantos. Em seu livro “Quarto de Despejo: Diário de uma favelada”, 1960, assim manifestou-se Carolina Maria de Jesus: “A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.” 

Em 1937, após a morte de sua mãe, mudou para São Paulo, onde trabalhou como faxineira e empregada doméstica. Em 1947, aos 33 anos, desempregada e grávida, Carolina instalou-se na extinta favela do Canindé. Nessa ocasião, conseguiu emprego de doméstica na casa do famoso cardiologista Euriclydes de Jesus Zerbini, médico precursor da cirurgia do coração, no Brasil. Nessa casa, nos dias de folga, Carolina lia os livros da vasta biblioteca, fato que muito contribuiu para que o seu veio poético se confirmasse. Aqui vale ressaltar que nos nomes de Carolina e Euriclydes, Jesus aparecia como uma intercessão, unindo essas pessoas em suas trajetórias dedicadas ao bem e ao coração. Euriclydes cuidou da saúde fisiológica do coração e, Carolina, expressou em versos e prosa as suas dores e percepções em torno das emoções, que afetam sensivelmente as batidas desse órgão. E o seu coração vivia ávido por transformar em letras as suas inquietações frente à vida e suas agruras. 

Teve três filhos, João José em 1948, José Carlos em 1949 e a caçula Vera Eunice. Carolina nunca quis se casar. Foi pedida em casamento por alguns namorados, mas resolveu não aceitar, a fim de não ser submissa aos homens. Aqui nota-se o seu ideal de mulher livre e corajosa. Sobre essa questão, assim escreveu Carolina: “À noite enquanto elas pedem socorro, eu tranquilamente no meu barracão ouço valsas vienenses. Enquanto os esposos quebram as tábuas do barracão eu e meus filhos dormimos sossegados. Não invejo as mulheres casadas da favela que levam vida de escravas indianas. Não casei e não estou descontente.” 

"Ao mesmo tempo em que trabalhava como catadora, Carolina registrava nos cadernos que encontrava no material recolhido em sua jornada, o cotidiano da comunidade onde morava. Foi descoberta, em 1958, pelo fotógrafo e repórter Audálio Dantas, e nesse mesmo ano trechos do seu diário foram publicados no Jornal Folha da Noite, e foi a publicação desses cadernos que deu origem a seu livro mais famoso: “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, com tiragem inicial de 10.000 exemplares, que se esgotou em uma semana. Esta obra vendeu mais de um milhão de exemplares e foi traduzida para quatorze idiomas, tornando-se um dos livros brasileiros mais conhecidos no exterior. 

 Esta publicação trouxe a Carolina manifestações de insatisfação dos moradores da favela, que a acusavam de haver publicado suas vidas e dificuldades, sem autorização. Essas pessoas não compreendiam que justamente a miséria e a vida que levavam naquele ambiente, motivaram nossa escritora em seu verdadeiro grito de guerra. Esse livro representava a força motriz de sua obra marcada pela nua e crua realidade da favela focalizada no Livro.

 “Quarto de Despejo” mudou sua vida. Após sua publicação, em 1960, mudou-se para Santana, Bairro de classe média, na Zona Norte de São Paulo. Em 1961, publicou “Casa de Alvenaria”, e, em 1963, por conta própria, publicou o romance “Pedaços de Fome” e o livro “Provérbios”.

 Em 1969, Carolina mudou-se de Santana para Parelheiros, uma região árida da Zona Sul de São Paulo, no pé de uma colina. Nesse lugar, caracterizado por fortes contrastes entre ricos e pobres, onde o ar era poluído pelas indústrias do Grande ABC, Carolina passava boa parte de seu tempo sozinha, lendo jornal e plantando milho e hortaliças. Enquanto isso, seus versos e manuscritos fluíam, sendo utilizados, após sua morte, para inspirar futuras obras, como: “Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus” (1994), de José Carlos Meihy e Robert Levine; “Muito Bem, Carolina!: Biografia de Carolina Maria de Jesus” (2007), de Eliana Moura de Castro e Marília Novais de Mata Machado; “Carolina Maria de Jesus – Uma escritora improvável” (2009), de Joel Rufino dos Santos; “A vida escrita de Carolina Maria de Jesus”, de Elzira Divina Perpétua; e “Carolina: uma biografia” (2018), de Tom Farias.

Assim foi Carolina Maria de Jesus. Seus versos a definem poeta triste em suas indagações. Vejamos: 

   Poeta, por que choras? 
   Que triste melancolia.
   É que minh’alma ignora 
   O esplendor da alegria. 
   Este sorriso que em mim emana,
   A minha própria alma engana. 

Agora, Carolina Maria de Jesus enriquece a Filatelia brasileira com sua presença em um selo postal. 

Maria de Lourdes Torres de Almeida Fonseca 
Escritora, Cadeira 35 da Academia de Letras e Música do Brasil - ALMUB 

transcrito do Edital 24 - Correios do Brasil

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